Corri à casa de meus pais e me abracei ao gato amarelo pela primeira vez em anos. Toda vez que lá ia ele me sondava, se passando entre meus pés, mas eu nunca lhe concedia maiores afagos. Desta vez fui eu quem o procurei. Se aquecia ao sol do meio dia, esparramado no quintal, e mal notou minha chegada. Ergui do chão a bolota felpuda e brilhante, de nove quilos, colando-a ao peito com angústia. Ele não me rechaçou; ao contrário. Ronronava como se se esperasse por isso também há muito tempo… Aninhou-se ainda mais entre meus seios, abrindo as patas dianteiras para me retribuir o abraço.
Fechei os olhos e deixei que as lágrimas tombassem. Há quanto tempo eu já estaria vencida como se soubesse a verdade? Sim: havia lido Fernando Pessoa dias antes e vinha meditando os versos tão famosos. Hoje se diz depressão; prefiro imaginar que consiga ver o antes, o agora e o depois, o dentro e o fora, enquanto conheço-me a mim mesma sem qualquer dor ou prazer. Esgotei todas as esperanças de propósitos, mas a vida continua. O coração bate por desejar algo mais?
Sim, criei todas as ficções que me inventaram. Todos os livros que escrevi sopravam baixinho a minha estória. Cada quadro era um espelho que me maquiava sem que eu erguesse as mãos. E agora? O que resta de todas as certezas, para onde seguir após ter atravessado todos os abismos? Não há um dia em que eu não ria de algum novo mistério de outras eras – “nada de novo sob o sol”. As pirâmides caminham conforme a Terra se perde pela galáxia. Quando paramos? Tenho envelhecido demais pra ser tão jovem.
Então o gato amarelo me encarou. Pensei que sorrisse, mas não… Compreendia, talvez, como todo silêncio. Esperava. Aos poucos serenei, como se convencida. Até que ele saltou rumo ao pote de água, tomou alguns goles e agitou a cabeça como faz todo gato. Deitou novamente ao sol, agora diante de mim, como se nada houvesse acontecido. Pareceu-me que brilhasse ainda mais. De algum modo talvez fosse um sinal?